quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

De todas, a-normal.

Não nego que eu o ame. Ou, que ame sua arte. Nessas alturas do campeonato já não faz mais muita diferença. Ele é o cara. Ainda que tenha muitos anos a mais do que eu.

Talvez eu deva culpá-lo por ter feito com que eu me apaixonasse por música, em um tempo em que eu mal seria capaz de saber o que poderia vir a ser apaixonar-se por alguém. E ter feito parte de mim sem saber.

Me refiro a um jovem senhor popularmente conhecido pelos seu lirismo e olhar encantador. O artista que tem o dom das palavras, encantando qualquer vivente. Sobretudo, se for mulher.

É gente que sempre se quer ser vizinho, nem que seja pra trocar umas duas frases ao cruzar olhos no elevador – e saber o que anda pensando. É o genro que qualquer pai deste país pode querer ter, ainda que ele ache que eles podem não gostar dele porque a filha gosta.

Diz-se por aí que qualquer mulher ‘normal’ faria fila pra passar uma noite com ele. E que qualquer homem deste país aceitaria ser corno, se fosse ele o amante.

Estou na dúvida se sou normal. Ninguém de perto é suficientemente perfeito quanto o lirismo intelectual permite ao inconsciente coletivo imaginar que ele pudesse ser. Se ele fosse como somos capazes imaginá-lo, ele não existiria.

Se não bastasse saber que ou ele não existe ou é uma farsa, o trabalho de ter o cara é bem maior e não tem pra quê. Ser a musa de uma noite só é suficiente para sair na manhã seguinte em todas as bancas de revistas e na boca do povo. E pra ser apenas mais uma pra ele, porque é impossível que ele seja só de uma. Nisso, tem ainda o
forte risco de nem estar nas Top 10. E isso faz perder toda a graça de fazer qualquer esforço pra levar o sujeito pra cama. O homem dos olhos que o país ama certamente tem uma vasta experiência, e toda mulher é suficientemente egoísta para não topar comparações.

Não posso esquecer do brinde, de ganhar o ódio e a inveja de toda população feminina brasileira. É mulher demais querendo o cara pra eu entrar nessa e achar que possa ser bom de verdade. Seria inevitável a expectativa da mentira de que eu pudesse vir a ser nome de música.
Mas sou impulsiva demais pra não querer esperar a banda passar.

Não sei não: Eu não daria pro Chico Buarque. Nem por um milhão de dólares.

Não daria pra ir simplesmente onde eu quisesse sem que todo mundo soubesse onde estaríamos ficando, e que fossemos parados por uma porção de transeuntes por aí. Alias, "por aí" é qualquer lugar: ele tá sempre por aí, com a voz e as idéias nos ouvidos de todo mundo. O tempo todo. Ele é de todo mundo até naqueles instantes em que estivesse comigo.

Não deve haver um minuto em que não seja transmitido um verso musicado dele nas emissoras pelo país. Pegar ele numa noite de verão não me faria nem mesmo mais feliz. Não significaria nada mais do que qualquer outro que não fosse ele. Não faz meu tipo dizer por aí que peguei este ou aquele. Se fizer mais sentido contar pros outros é que verdadeiramente à mim fizeram menos.

Se ninguém soubesse que ele é Chico Buarque, não sei sim.
____________________________________
*(1) Esse texto só faz sentido quando já se ouviu alguma vez a expressão: "Diante de Chico Buarque todo homem é um corno em potencial". Que Otto Lara Resende atribuía a Nelson Rodrigues. E a frase inversa que é "Toda mulher quer dar pro Chico Buarque".

*(2)A princípio eu adorei o texto! Porque ele parte do argumento que é contra ao senso comum, porque pega o "nao sei" que é absolutamente feminino e também a idéia aversão à fama e o egoísmo humano.

Soube depois que veiculou na VIP deste mês uma HQ com o mesmo tema, mas com a lógica de argumentação diferente, o que me faz crer que seja um tema que anda no inconsciente coletivo.

*(3)É ficção, óbvio. Sou muito mais Nando Reis do que Chico Buarque.
O que foi engraçado é que fiz "pré-teste" no msn, e as mulheres em geral me respondiam falando de outro artista, que não aquele que eu tava falando. Elas interpretaram pra elas com aquele que elas achavam mais interessante...

*(4) Nesse texto tem o tal do humor inglês, mas não sei se está suficientemente visível.

[texto - e comentários - de novembro de 2006]