sexta-feira, 31 de julho de 2009

Será que ele não é?

Em uma grande empresa encontra-se um ambiente de trabalho repleto de mulheres. Local em que homem é artigo raro. Eis que numa bela segunda-feira surge um novo barbado por aqueles lados. A mulherada logo fica agitada e o burburinho se arma. Um novo homem sempre chama a atenção de todas, pois vem sem os velhos hábitos, liberdades e assanhamentos daqueles com quem elas já conviviam.

Discretamente, as mulheres começam a puxar a barriga. Corrigem a postura. Vão mais vezes ao banheiro. Perguntam umas às outras se os dentes estão bem limpos. Pedem o espelho emprestado. No decorrer da semana, começa-se a perceber um rímel de leve até nas mais desajeitadas moças. Um brilhinho no lábio das menos contidas e as gloriosas unhas vermelhas nas mais atiradas.

Sempre tem a primeira que, rapidamente, dá um jeito de dizer algo para que todas traduzam e captem como “ele é meu, e ninguém tasca”. Mas, claro, ela encontra um jeito mais ameno, simpático e delicado, como uma lady, de dizer a mesma coisa. E então sai algo até meio irônico, como “Bem apanhado o rapaz, né? Me interessei”.
A partir daí o resto da patota finge estar desinteressada, mas segue de bandeira hasteada, louca para ser vista. Numa competitiva expectativa de ser escolhida e dizer para todas as outras que não foi ela, mas sim ele quem se interessou por ela.

Até as compromissadas dão o ar de sua graça. São simpáticas. Convidam para ir até a máquina de café. Ensinam como se faz uma ligação. Respondem prontamente a qualquer murmuro do moço. Algumas, até discretamente guardam a aliança dentro da gaveta.

O rapaz, bem vestido e cortês com todas, nem bem percebe que está chamando uma atenção especial, afinal, elas são apenas simpáticas e colaborativas novas colegas. A atenção delas segue intacta. O time todo fica armado, e muito atento a todos os passos do rapaz. Em meio a comentários das vestimentas e do maravilhoso perfume, surge a fatídica pergunta:
será que ele é?

Neste instante, todas murcham. A falsa expectativa vira uma dúvida. A curiosidade envolve até a velha e pequena ala masculina da sala, que já ensaia futuras chacotas.

A partir daí surgem as especulações e os comentários “parece-não parece”. As moçoilas percebem que ele tem alguns ares que podem dar a entender que seja gay. Porém, rapidamente deixam de pensar que ele é, afinal, se for, perde toda graça daquele circo todo. E nada se define.

A semana passa e a mesma dúvida se mantém no ar. E tudo se resolve quando no fim da sexta-feira uma das mulheres vem com um vestido emprestado de uma outra, que ela estava experimentando. As mulheres todas começam a comentar, enquanto o rapaz fica olhando, até um pouco constrangido. Outra colega instiga o rapaz e pergunta: - Fulano, o que você achou? E ele responde quase que num rápido soluço, enquanto entrelaça uma mão na outra, como se batesse palmas: - “arrasou”. Pronto, estava desfeito o mistério.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A infelicidade das outras ignorâncias.

A gente não fala sobre o que a gente é. A gente diz o que gostaríamosde ser. Ou de não ser. O que somos é sempre somente um meio docaminho que nos parece tão sem graça quanto uma migalha de pão que o mendigo nos implora na rua.
O presente é a luta por uma moedinha a mais pra nova marca que vai estourar quando chegarmos no que gostaríamos de poder ser. Nesse meiodo caminho a gente acaba dormindo com quem não quer e comendo o que não gosta. A gente acaba se vendendo por pouco, porque tem a ilusãode que um dia valeremos muito. E a gente, que vive de ilusão, quer umfuturo ideal. Um amanhã que nunca vai existir.
Nosso ideal é sempre maior do que o que possamos conseguir um dia. Nossas metas aumentam em progressão geométrica. Nossas conquistas, naaritmética. Sonhamos tridimensional. Projetamos aquilo que queríamos conseguir ser, mesmo que no fundo saibamos que é impossível. Alguns gênios nos mostram que tudo pode ser possível – com empenho e bom desempenho. Nessas, corremos o mundo pra provar a quaisquer ninguéns que nós também fazemos parte desse impossível que todosquerem. Não percebemos que algumas coisas são só daqueles que entendem que muitas migalhas matam tanta fome quanto um pão inteiro comprado na confeitaria dos Jardins.

* texto de fevereiro de 2007.