segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Olhos teus

Seu certo brilho
Um olhar reluzente
Eu sei, dizia algo
Não sei, será que entendi?

Talvez, somente um sinal cruzado
Um imaginário chiado
Todo emaranhado
Decifrei o que pude
O que pode
Nem ter sido

Captei um sinal
Gravei seu olhar
Seu retrato
Pulsante memória

Entendi o que era
Que talvez nem fosse
Além daquele aviso

Seus olhos
Pros meus

Diziam
Brilhavam
Dançavam
Me questionavam

Procurei um jeito
De achar tradução
De dançar a canção

Encontrei um jeito
de te achar
Caminho meio esquisito
Com um quê de bonito
Pra dizer sim
Pro que nem sei

Talvez,
Quem sabe?
Nem você saiba
Aquilo
Que seus olhos
Instintivamente
Me quiseram dizer

_______________________________________________________________
Escrito a mão e caneta BIC, no vôo Milão - Berlin. 12 de outubro de 2009.
Com pequenos retoques em Porto Alegre , 3 de novembro de 2009.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Pra não dizer que eu falei de sonhos mais – ou menos – do que devia.


Nem sempre eles são doces
Ainda que seja uma falha,
às vezes podem ser salgados
Ou mais salgados do que deviam

Tem aqueles que depois se mostram azedos
Ou talvez apenas tivessem passado do prazo de validade

Mas nada os substitui
Quando se mostram doces
Mesmo que nos engordem
Até valem a corrida pra a academia

Sonhos de um futuro bom
Pra correr sempre pra frente
A agonia por uma felicidade urgente

Não adianta
Não dá pra desistir
Somos doutrinados pela recompensa

Mesmo quando a gente quer o impossível
Quando a gente fala do inatingível
Aquele incrível brilho no olho
Vale quase qualquer negócio

Aquilo que vale qualquer luta
Mesmo que quando a gente chega lá
Comece a pensar na nova guerra.

Pode ser a Presidência da República
Um fofo bebê te acordando no meio da noite
O maior amor do mundo
A aliança na mão direita,
Ou esquerda.
Até aquela milagrosa cirurgia plástica

Sem esquecer, claro
Do prêmio da loteria.
E da caixa dos lápis de cor

Nem sei se devo dizer
Se é certo
Ou é errado
Nem se a gente não está enganado
A gente não se contenta
Sem antes dar a primeira mordida.

23 de março de 2007 - Escrito em menos de 60 minutos, no meu último dia de clicrbs. Um dia antes de começar nas Rádios. Entregue junto com um sonho de doce de leite à cada um do departamento.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Memórias bizarras aportam na minha cabeça. Eu li esse poema em, sei lá, 2001!? E hoje lembrei de dois elementos: flor e concreto. O Google ajudou a encontrar....

A Flor e A Náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,

vou de branco pela rua cizenta.

Melancolias, mercadorias, espreitam-me.

Devo seguir até o enjôo?

Posso, sem armas, revoltar-me?

 

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.

 

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a  pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.

 

Vomitar este tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam pra casa.

Estão menos livres mas levam jornais

e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

 

Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.

Os ferozes leiteiros do mal.

 

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

Porém meu ódio é o melhor de mim.

Com ele me salvo

e dou a poucos uma esperança mínima.

 

Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

 

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.

 

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

(Carlos Drummond de Andrade)

 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Sociedade do Espetáculo

A bailarina sorri independente de quanto os pés doam, porque é só isso que a platéia quer ver.

Criar é uma viagem

De avião. De trem. De bus. De metrô. De navio. A pé.
Em rodovias. Pelo meio das nuvens. Desbravando os mares. Em chão batido.
Com passagem de ida. Com volta. Sem volta.
Em um albergue. Em hotéis de luxo. De mochila nas costas.
Pra casa dos parentes. Ao encontro de alguém.
Solitária. De bando. Com crianças. Em família.
É um destino a diferentes culturas. Pessoas. Gírias. Linguagens. Sotaques.
Com passagem pela natureza. Ou a mais alta tecnologia.
De memórias Boas. Ruins. Angustiantes. Incríveis.
Por lazer. Por trabalho. Por saúde. Por desespero. Por paixão. Por saudade.
Ao lugar mais quente. Ao mais frio. Ao lugar mais exótico. Ao mais comum. Ao lugar mais seco. Mais úmido.
Rumo a cidade ao lado. Ao povo ilhado. Ao lugar mais lindo do mundo. Ao mais feio. Ao mais interessante. Ao país abandonado. A terra em guerra. Ao local mais noticiado.
De uma semana. Um dia. Um ano. Para a vida toda.
Sempre com um certo destino incerto
para a terra do nunca.


(dezembro de 2005)